Audiência Pública reforça necessidade de barrar projeto que pode levar Deso à privatização
Trataram do tema Sílvio Sá, presidente do Sindisan; Luís Moura, economista e coordenador do Dieese em Sergipe; Pedro Blois, presidente da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU); Pedro Romildo, secretário de Saneamento da Confederação Nacional dos Urbanitários (CNU ); e Arilson Wünsch, coordenador da Frente Nacional do Saneamento Ambiental (FNSA). O presidente da Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso), Carlos Melo foi também convidado para o debate, justificou a impossibilidade de participação, mas não enviou representante.
Para o deputado Iran Barbosa, o Projeto de Lei 3.261/19, que tramita na Câmara Federal e cujo relatório já foi aprovado na Comissão Especial que analisa a proposta, traz grande preocupação para os sergipanos, porque impõe mudanças profundas em todo o marco regulatório do saneamento, praticamente obrigando os municípios a abrir as concessões dos serviços de saneamento básico para que a iniciativa privada assuma o controle, fragilizando economicamente as companhias públicas do setor, como a Deso.
“Trazer esse debate para Sergipe é muito importante para que a gente passe a conhecer melhor o conteúdo dessa proposta, que poderá ser nefasta do ponto de vista da oferta de água e esgotamento sanitário para a população nas localidades mais carentes. Essa discussão vai nos ajudar no sentido de construir alternativas de resistência a esse projeto privatista e de preservação da Deso como uma empresa pública estratégica para os sergipanos, e que não pode estar a serviço dos interesses do capital privado”, justificou o petista.
Primeiro a falar, Sílvio Sá, do Sindisan, destacou a importância da realização da audiência pública, em face do momento de grande ebulição do debate em torno dos marcos legais do setor de saneamento brasileiro, de forma que Sergipe não poderia ficar de fora. Sílvio fez um resumo do trabalho que tem sido feito pelo sindicato nos últimos três anos para chamar a atenção dos trabalhadores e da sociedade quanto ao desmonte das políticas públicas de saneamento, em nível federal, e a ameaça de privatização das companhias públicas do setor. Apontou ainda que, em Sergipe, desde o final do governo Jackson Barreto e, agora, com Belivaldo Chagas, várias iniciativas têm deixado em dúvida trabalhadores e sindicato quanto as reais intenções do governo estadual sobre o futuro da Deso.
“Se ficar o bicho come, se correr o bicho pega, para usar um jargão bem popular. Quando a ameaça não vem em nível do estado, vem de Brasília, em nível nacional, agora com muita força, com esse PL 3.261, cujo relatório foi aprovado na Comissão Especial, na semana passada, por 21 votos a 13, com voto favorável do representante sergipano, o deputado federal Gustinho Ribeiro (Solidariedade)”, denunciou, criticando o discurso falacioso que vem sendo construído na mídia, favorável às empresas privadas de saneamento.
“Quem defende essas empresas não pensa no social. Precisamos dialogar com os nossos amigos e vizinhos e fazer a defesa da Deso pelo papel que ela cumpre, de fazer chegar a água tratada em quase todos os lugares. A nossa Companhia completou 50 anos. Nada poderia ser melhor do que recebermos, de presente, do prefeito (de Aracaju) Edvaldo Nogueira, do PCdoB, o convite para assinar o contrato de concessão com a Deso, que está em aberto há anos. Isso daria segurança jurídica a nossa empresa, com a garantia de mais 20 ou 30 anos de seguridade na oferta dos nossos serviços”, colocou Sílvio Sá.
Luís Moura, do Dieese, destacou que o discurso de que a Deso vai melhorar se for vendida é ilusório e falacioso. Ele lembrou de que esse mesmo discurso foi aplicado para justificar a venda da antiga Energipe, que acabou privatizada, mesmo com grande resistência dos trabalhadores. Hoje, o que se tem na atual Energisa é uma das tarifas de energia elétrica mais caras do mundo, serviços questionáveis, nenhuma sensibilidade social na hora de cortar o fornecimento, demissões, redução violenta dos salários dos trabalhadores e mais acidentes de trabalho.
“A sociedade tem que estar atenta, principalmente quanto ao aumento das tarifas, que vai ocorrer se privatizarem a nossa empresa de saneamento, porque vai se passar a cobrar o ICMS e haverá, de imediato, um aumento de 36% na tarifa de água; e as perdas que se tem com ligações clandestinas e com vazamentos, também incidirão na tarifa em mais 5 a 10 %. As pessoas precisam estar cientes que esse processo de privatização vai atingir diretamente o bolso delas”, alertou.
Para o economista, mesmo o atual discurso de que a Deso não será privatizada e que o governo quer apenas realizar processos de parcerias público-privadas também na se sustenta, porque empresa privada nenhuma vai querer parceria com empresa de saneamento se ela não puder controlar os preços da tarifa e não tiver garantia de retorno do que for investido.
“A empresa privada não quer nem saber se vai ter que fazer chegar água nesse ou naquele lugar, ela quer é retorno, ela quer é lucro”, disse, destacando que é preciso enfrentar o modelo do ministro Paulo Guedes de privatização de todas as estatais, que deve repercutir nos estados, reforçando as parcerias com os parlamentares que defendem o setor público e tem compromisso com a população e com as empresas públicas.
Para Pedro Blois, presidente da Federação Nacional dos Urbanitários, é preciso alertar os trabalhadores e a população sergipana para os riscos que representa a aprovação do PL 3.261/19. Para ele, é preciso pressionar a bancada federal sergipana, os deputados estaduais, além dos vereadores e prefeitos.
“A Deso é uma companhia pública que atende a quase 80% da população com abastecimento de água e com 60% da coleta de esgoto. O filão maior disso tudo pode passar para as mãos das empresas privadas, deixando as parcelas mais pobres da população sem o atendimento, porque apenas dez dos 74 municípios atendidos pela Deso são superavitários. A iniciativa privada só vai querer atuar nesses dez municípios, que darão retorno financeiro. Os demais, como ficarão, já que o PL também derruba os subsídios e o governo do Estado não terá mais recursos do governo federal para investimento em saneamento por conta da PEC 55, que congelou os gastos públicos por 20 anos?”, indagou o presidente da FNU.
Segundo Blois, há um conjunto de iniciativas do governo federal que pode enfraquecer a Deso e levar o estado de Sergipe de volta ao tempo em que doenças advindas da falta de água tratada e de saneamento eram comuns.
“Quer gostem ou não, a Deso, como empresa pública, presta um serviço de extrema relevância, principalmente nos municípios mais pobres, onde a iniciativa privada não chega. O momento é gravíssimo e a população tem que estar atenta e acompanhando esse debate para dizer um não a esse projeto de lei, cobrando dos seus deputados e senadores o voto contrário a essa proposta da governo Bolsonaro de privatização dos serviços de saneamento básico em todo o País, principalmente o fornecimento de água, que é o mais essencial entre todos. A pessoa pode viver sem energia elétrica, sem telefone, até sem o gás, mas sem água ninguém vive. Água é um bem precioso demais para ter dono”, enfatizou, lembrando que cidades da França, Estados Unidos, Alemanha e Espanha, assim como de alguns países Sul-Americanos, que apostaram no modelo de privatização do setor de saneamento, estão revendo essa decisão por não terem trazido retorno para a população e reestatizando o setor, como aconteceu em Paris, Berlim e Atlanta.
O secretário de Saneamento da Confederação Nacional dos Urbanitários (CNU), Pedro Romildo, enfatizou que o Projeto de Lei 3.261/19 é uma reedição de propostas neoliberais que vêm desde a época do governo privatista de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), seguindo recomendações do FMI, de entregar o setor de saneamento público brasileiro para a iniciativa privada, como foi feito com a telefonia, e tornar a água, que é um direito humano fundamental, em mercadoria.
“Essa é a mesma lógica do governo Bolsonaro, tornar a água um produto com valor econômico e que só vai ter acesso a ela quem efetivamente tiver condições de comprar. Uma outra questão grave nesse PL é acabar com o subsídio cruzado. Com isso, os mais pobres, que não têm como pagar a tarifa pelo seu custo real e tinham a sua tarifa subsidiada, isso vai acabar, porque empresa privada só visa o lucro, ela trata os desiguais como iguais, e os pobres pagarão de 20 a 40% a mais pelo uso da água”, apontou.
Romildo também alertou para a questão do fim dos contratos de programas entre entes públicos. Com o Projeto de Lei 3.261/19, essa relação se extingue. “O governo acaba com os contratos entre companhias estaduais de saneamento e os municípios, criando uma reserva de mercado para a iniciativa privada. Objetivamente, a intenção é acabar com as companhias públicas de saneamento, como a Deso, porque o prefeito que não abrir licitação para o setor privado não terá acesso a recursos, que são do contribuinte, mas que fica reservado para o setor privado. É uma grande chantagem, na tentativa de asfixiar a Deso e todas as empresas públicas de saneamento. Não podemos permitir isso”, disse.
Para Arilson Wünsch, coordenador da Frente Nacional do Saneamento Ambiental, está em andamento uma verdadeira tragédia no setor de saneamento do País com o Projeto de Lei 3.261/19. De acordo com Wünsch, para além dos desmontes das políticas públicas de uma forma geral e da retirada de direitos dos trabalhadores e da população, as mudanças propostas pelo governo Bolsonaro nos marcos legais do saneamento vão destruir o setor e dificultar o acesso à água e ao esgotamento sanitário para as populações mais carentes, em especial, nos menores municípios.
“Esse projeto, que é uma continuidade das Medidas Provisórias 844 e 868, do governo Temer, tira das mãos do Estado a possibilidade de ofertar os serviços de saneamento, e isso é muito perigoso e danoso para os municípios com menos de 30 mil habitantes, onde as companhias estaduais ou os departamentos municipais de saneamento chegam com um serviço essencial, que é o de levar água subsidiada aos pobres. O PL 3.261 praticamente destrói essas companhias”, aponta o coordenador.
Arilson Wünsch foi enfático em dizer que não há alternativa com a aprovação do Projeto de Lei 3.261/19, senão a privatização das companhias públicas de saneamento como a Deso. “Não tem meio termo. Será o fim da Deso e de todas as companhias estaduais de saneamento do País, porque proíbe a continuidade dos contratos de programas como os municípios, que terão que abrir licitação. A maioria dos municípios são deficitários e, com o fim do subsídio cruzado, isso criará dificuldades para que se forneça água e esgotamento sanitário. E um projeto extremamente danoso. Se os parlamentares e prefeitos não se mobilizarem imediatamente e ele for aprovado, não restará empresa pública de saneamento neste País”, alertou, lembrando que é falacioso o argumento de quem não tem dinheiro para universalizar o fornecimento de água e de esgotamento sanitário, e que por isso tem que se abrir setor para a iniciativa privada.
Encaminhamentos
O deputado Iran Barbosa avaliou como muito positiva a audiência pública, não só pela grande quantidade de participantes, que caracterizou o evento como uma dos maiores realizados na Alese, mas também quanto ao conteúdo que foi debatido.
“Foram análises extremamente aprofundadas, seja com os palestrantes nacionais como os locais. Pudemos discutir o teor do Projeto de Lei que altera o marco regulatório do saneamento no nosso país e denuncia as consequências dessa alteração para o nosso povo e o nosso estado. Foi muito elucidativa, com uma presença grande dos trabalhadores da Deso, e essa audiência nos subsidia de informações para enfrentar esse cenário e defender a nosso Companhia de Saneamento com muito vigor”, afirmou, destacando que dará os devidos encaminhamentos às propostas que surgiram durante a audiência.
Participaram, também, da audiência pública o deputado estadual Garibaldi Mendonça (MDB) e Kitty Lima (PPS); representantes dos deputados estaduais Dilson de Agripino (PPS) e Diná Almeida (Podemos), e federal João Daniel (PT); os vereadores de Aracaju, Américo de Deus (Rede) e Camilo Lula (PT), e de Japoatã, Cassio Mateus (PT); representantes de entidades sindicais e da CUT/SE e Nacional; representantes dos movimentos social e popular; além de índios da tribo Xokó, da Ilha de São Pedro, em Porto da Folha, que vieram se somar ao debate.