Os Desafios do Saneamento Básico
O Governo de Michel Temer continua sua escalada rumo à privatização dos serviços públicos e o ataque aos direitos dos trabalhadores(as), procura resgatar de todas as formas o projeto neoliberal já vivido nos anos 1990 pelo povo brasileiro.
É a teoria do Estado mínimo, porém, mínimo quando se trata de atender a população excluída de direitos e Estado máximo quando se trata de atender os grandes bancos e as grandes corporações nacionais e internacionais.
É isso que ocorre agora com a colocação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a serviço da privatização do saneamento básico financiando projetos de modelagem para Estados e Municípios que se interessarem, e os processos de privatização diretamente. Trata-se em síntese da disponibilização de dinheiro público para que o setor privado explore serviços públicos, como abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos.
Nesse caso, vale destacar que estamos tratando de serviços que guardam profunda relação com a saúde pública, com o meio ambiente e com a qualidade de vida das pessoas. O mais provável é que nesse processo as regiões mais carentes do País e os centros urbanos com grande concentração de assentamentos precários continuem a sofrer com a falta de saneamento já que a possiblidade de garantia de lucro nessas áreas praticamente inexistem em razão das condições em vivem essas populações e, portanto com dificuldades de arcar com altas tarifas.
O que temos observado em várias cidades pelo mundo é o processo inverso quando se trata de saneamento. Cidades como Paris, berço das empresas privadas do setor, no ano de 2010 reestatizou os serviços e como consequência houve redução de tarifas e aumento dos investimentos. Segundo reportagem da jornalista María Martín do Jornal El País de 15 de junho de 2015,... "em 15 anos, 235 cidades e cerca de 106 milhões de habitantes retomaram a gestão do tratamento e fornecimento de água das mãos de empresas privadas". Além de Paris, acrescente-se à lista cidades importantes como Berlim e Buenos Aires.
No Brasil, a Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), entidade sindical nacional que representa os trabalhadores (as) do saneamento, da energia e do meio ambiente e a Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental que reúne entidades do movimento sindical e popular, entidades técnicas e gestores municipais têm desenvolvido campanhas nacionais buscando unificar as ações e agindo localmente nas assembleias legislativas e câmaras municipais fazendo o enfretamento necessário para garantir que os serviços de saneamento se mantenham sob o controle e operação público.
O saneamento obteve grandes avanços no Brasil com as ações desenvolvidas desde o ano 2003 com a criação do Ministério das Cidades que deu “endereço” para o setor, com promulgação da Lei Nacional de Saneamento (11.445/2007), Lei de Consórcios Públicos (11.110/2005), a realização das Conferências Nacional das Cidades, a implantação do Conselho Nacional das Cidades e dos Comitês Técnicos no âmbito da Secretaria Nacional de Saneamento, a elaboração e aprovação do Plano Nacional de Saneamento (PLANSAB), o fortalecimento do Sistema Nacional de Informações (SNIS) e principalmente a retomada dos investimentos através do descontingenciamento de recursos e dos Programas de Aceleração do Crescimento (PAC 1 e 2). Claro que muito há por ser feito até que toda a população tenha acesso pleno ao abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos, drenagem urbana e coleta e destinação adequada dos resíduos sólidos, porém, a universalização do acesso aos serviços de saneamento básico só será possível com o fortalecimento do papel do Estado e não o contrário. O objetivo fim dos agentes privados é a garantia do lucro o pagamento de dividendos aos seus acionistas e o repasse para as sedes das empresas em seus países de origem quando são internacionais. Já há muito assistimos essa prática no setor de energia, por exemplo.
Defendemos que o acesso à água e ao esgotamento sanitário trata-se de direito humano fundamental conforme deliberação da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) e o Conselho de Direitos Humanos em 2010. Portanto são serviços que não devem ser tratados como mercadoria em que só terão acesso aqueles que puderem pagar.
Uma das formas de caminharmos rumo a decisão da ONU é apoiar iniciativas que fortaleçam o saneamento como direito, nesse sentido creio ser importante a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 2 de 2016 que propõe a alteração do art. 6º da Constituição Federal, para incluir, dentre os direitos sociais, o direito ao saneamento básico. Evidente que não conquistaremos a universalização do acesso apenas com modificações nas legislações, mas esses instrumentos devem compor nossas táticas de luta.
Também é necessário refletirmos os 10 anos de legislação de saneamento completados no último dia 05 de Janeiro. Afinal, quais os avanços o setor obteve concretamente, quais os entraves? Como se dá a sustentabilidade dos serviços pelos operadores públicos após os investimentos na ampliação dos serviços? A Lei conseguiu ser de fato implementada? Se não, por quê? E o controle social? Quais as dificuldades na sua efetivação, sobretudo no âmbito local? E o papel de planejamento dos municípios? Por que poucos planos municipais de saneamento foram elaborados, onde estão as dificuldades?
Por fim, é fundamental o fortalecimento da unidade de ação entre os movimentos populares, sociais e sindical na defesa do fortalecimento do papel do Estado e contra qualquer forma de privatização, seja ela o nome que tiver: OSs, PPPs, Concessão Plena ou Parcial, Subdelegação, abertura de capitais, etc.
Não podemos nos conformar com o fato de, em pleno século XXI as pessoas não terem acesso pleno a água, a coleta e ao tratamento de esgotos, a falta de coleta e destinação adequada do lixo, e a drenagem urbana adequada que evitem enchentes, alagamentos e as consequentes perdas de bens materiais e, sobretudo de vidas.
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Edson Aparecido da Silva é Sociólogo, Mestre em Planejamento e Gestão do Território pela UFABC e Assessor de Saneamento da FNU.