Imbecilizadores profissionais

Escrito por Marcia Tiburi e Rubens Casara Publicado . Publicado em Artigos

Uma nova profissão surge na sociedade atual. A do imbecilizador. Essa atividade, curiosa, cresce e aparece sem que ninguém conscientemente queira usar seu serviço, nem por desejo, nem por necessidade. Mesmo assim, o imbecilizador profissional faz sucesso. Ninguém pede sua atuação, ela se dá de graça, mas custa o preço da alma.

Professores trabalham em nome do conhecimento, médicos em nome da saúde, agricultores em nome da produção de alimentos, motoristas em função de transportes, advogados em nome de direitos, jornalistas em nome da informação (ou, pelo menos, era para ser assim). Há profissões voltadas para urgências ou emergências, outras que se dedicam a produzir ou realizar desejos. Entretenimento e lazer são campos que envolvem produtividades. Toda profissão existe em razão de uma necessidade que justifica uma atuação. Já o imbecilizador é improdutivo por sua própria natureza. Ou melhor, ele produz inutilidades.

Inutilidades que são funcionais à manutenção das coisas como estão. A inutilidade leva à ausência de reflexão: o imbecilizador atua para rebaixar o cidadão a consumidor de inutilidades. Aqueles para quem trabalha – ou contra quem trabalha – são cidadãos que ele ajuda a não pensar. Extirpar o senso crítico de cada um é um passo necessário nos procedimentos que levam à imbecilização. Mas enquanto suas vítimas sofrem com a aprendizagem de um destino infeliz, esse profissional parece realizar suas atividades sem esforço.

Mesmo que não possamos ver imediatamente sentido em sua atuação profissional, sabemos que ele faz parte do projeto capitalista sob o qual vivem todas as pessoas. Entendemos que o capitalismo usa a todos em busca de lucro e o imbecilizador profissional também serve ao capitalismo. Sabemos também que, embora não precise se esforçar, ganha mais do que qualquer trabalhador ou cidadão que ele, sem esforço, imbeciliza.

Necessariamente alienante, esse novo profissional presta um desserviço, mas ninguém deve perceber do que se trata. Estão todos por demais ocupados cumprindo com as obrigações assumidas e, quando surge um minuto livre, uma tarde, uma noite diante da televisão ou do computador, o pobre cidadão trabalhador terá seu espírito maltratado pelo imbecilizador do povo. Na mitologia de certos povos, o que mais se aproxima do imbecilizador profissional é a figura do feiticeiro encarregado do encolhimento das cabeças daqueles que acreditam no feitiço.

O imbecilizador profissional é uma espécie de ator sem arte. Às vezes, o imbecilizador diz que é trabalhador ou cidadão, alguém que se vende como igual ao trabalhador sem nunca ter trabalhado. Às vezes será candidato a um cargo político (um político que se diz não-político). Às vezes quer só pegar o tempo livre dos cidadãos comuns sem dizer que os roubou, porque se o cidadão ainda não imbecilizado perceber isso, não cairá na isca que foi armada para ele. Isso seria um desastre, claro sinal da incompetência do profissional da imbecilização, que por justa causa poderá perder o encanto, a credibilidade e o emprego.

Sem serviço e sem produto, ou melhor, escondendo a funcionalidade que se encontra na espetacularização da inutilidade, o novo profissional avança sem que ninguém precise dele – enquanto parece inofensivo. Mesmo sendo desnecessário à vida digna, o imbecilizador do povo está aí. Head hunters procuram cabeças de papelão para assumir essa profissão que vem à luz na era da publicidade e da propaganda como nunca se viu.

Auto-imbecilização

Toda profissão envolve um tipo de trabalho e podemos dizer que o trabalho constrói – para o bem e para o mal – a pessoa que somos. Há trabalho vivo e trabalho morto, há trabalho sujo e trabalho limpo. A nova profissão implica uma atividade que envolve a exploração da inutilidade. Não há nada de ilícito com ela, mas ao mesmo tempo não serve para nada a não ser piorar as coisas.

O imbecilizador profissional possui um saber. O bom imbecilizador deve conhecer a psicologia e a tecnologia que transforma seus consumidores em seres não-pensantes. Se o imbecilizador for competente, suas vítimas não sabem exatamente o que ele faz. Quando se tornam consumidores da arte, da técnica e da linguagem do imbecilizador já perderam a chance de descobrir, pois sua atuação funciona como um chip impossível de extirpar.

Os imbecilizados, depois de aparentemente indolores processos de imbecilização, começam a agir em nome do capital, de ícones em geral, ou em nome de Deus. Muitos passam a adorar pessoas ou roupas de marcas, alguns aprendem a cultuar a si mesmos. A imbecilização não funciona sem “deuses”, sem algo, uma pessoa ou um produto que é posto como objeto de um culto que prega o imobilismo ou o consumo acrítico.

O imbecilizador profissional prepara o caminho para toda uma vida voltada ao culto de algo capaz de reproduzir o processo de imbecilização. A imbecilização é, ainda que disfarçada, um mecanismo de reprodução. Quem antes era imbecilizado por uma ação externa, passa a produzir sozinho um raciocínio imbecilizante, sem dar mais trabalho ao imbecilizador profissional. O imbecilizador, tal qual um médico após um tratamento bem sucedido, também dá alta ao seu consumidor, que se revela capaz de se imbecilizar sozinho.

Tornar-se imbecil, contudo, não é algo natural. Consumir inutilidades e ser levado à ausência de reflexão só é possível quando há a ajuda desses especialistas. Lobotomia televisiva, virtual e digital é o que os imbecilizadores do povo oferecem como anestesia gratuita. Os imbecilizados não sentirão o preço que pagam, nem saberão que tipo de droga ou sentença foi administrada em seus corpos ou imposta sobre a sua alma.

Estupidez particular

Os candidatos a essa nova profissão devem ser especialistas em atuar sobre a ingenuidade e a vaidade alheias. Se não são natos manipuladores de interesses, devem aprender a manipular interesses, bem como saberes possíveis e ignorâncias abundantes. Os mais experientes, os mais competentes, são capazes de alcançar aquele ponto que cada pessoa oculta de todas as demais: a estupidez particular que faz parte da condição humana. Cada um sabe onde está a sua e o ponto da vergonha que ela implica. O imbecilizador profissional manipula a estupidez de cada um.

A estupidez particular é aquela que nos faz buscar ou aceitar algo de que não precisamos, perder algo de que gostamos demais, negligenciar o que nos importa, supervalorizar o que não faz sentido, mistificar o que seria evidente. A estupidez particular nos fará pessoas muito infelizes justamente porque nos faz crer que somos os mais inteligentes. É a estupidez particular, intimamente ligada à vaidade, que nos joga como peixinhos nas redes dos golpes. A estupidez particular é aliada à prepotência de cada um, aquela que usamos constantemente para nos proteger das misérias da vida.

Golpistas discursivos são sempre simpáticos, animadores, especialistas na enganação contra as pessoas, manipulando sua inteligência. Ora, alguém que consiga manipular a capacidade de pensar de outrem se torna de certo modo co-proprietário do seu pensamento. Aquele que se torna dono do pensamento de outrem exerce a mais profunda dominação: uma espécie de autodominação. Mas tudo isso é tratado como uma simples terceirização do tempo, do prazer. Muitos se esquecem que tempo e prazer em tudo tem ver com a inteligência.

Embora seres humanos sejam seres de linguagem, sejam seres racionais, aptos a ter ideias, capazes de conceituar, de abstrair, de criar, de questionar, de duvidar, de intuir, de imaginar, de estabelecer nexos entre aspectos dados da realidade – conjunto de atos do espírito ao qual podemos dar o nome bem conhecido de “inteligência” -, eles também são seres que vivem a linguagem confusamente e, desse modo, confundem também conceitos e ideias. A arte da manipulação se instaura nesse lugar. O amor louco que as pessoas têm pelas coisas fáceis é o instrumento na oficina da manipulação. Daí o sucesso do pensamento simplificador e dos esteriótipos. Daí o apego àquilo que se pode entender.

A corrupção da alma

As épocas fascistas são caracterizadas por uma profunda baixa de amor-próprio que se esconde atrás de violências diversas. Nada melhor do que xingar o outro para esconder a própria estupidez. É preciso aprofundar a prepotência para sobreviver. É preciso não pensar para ser feliz. O fascista é um frágil. E nisso está o seu caráter mais perigoso. A dialética da fragilidade e da força dá o que pensar.

A imbecilização generalizada do mundo é tema que encantou pensadores tão díspares quanto Adorno ou Nelson Rodrigues. Fato é que ninguém escolhe ser imbecil. Talvez seja um destino. Talvez seja uma condenação. Posto isso, não se pode dizer que há imbecis profissionais, o imbecil é uma espécie de degeneração do sujeito que, por ingenuidade, por estupidez particular, leva um golpe. O sujeito inteligente não se deixa golpear de novo, mas o imbecil é capaz de aderir ao golpe. De se tornar adepto daquele que o golpeia. De defender o imbecilizador que o reduziu a imbecil.

Pois é no clima do golpe, da cultura golpista e da ausência de reflexão que o imbecilizador profissional cresce e aparece. O imbecilizador profissional atua produzindo ignorância, insensibilidade e estupidez. Ele é tão nocivo à sociedade quanto um político que desvia os valores públicos. Ele corrompe a alma.

A partir daqui, deveríamos seguir classificando e dando nomes, mas o bom leitor não precisa de tantos exemplos, ele é bom de abstração. De Berlusconi a Luciano Huck, alguns com maior e outros com menor intensidade, vários profissionais ocupam o cargo de imbecilizadores do povo nas ricas mídias hegemônicas. No entanto, nas redes sociais, que fazem tanto sucesso na atualidade, há todo tipo de produção de “tonteria”. Cada um pode testar seu talento sendo o Silvio Santos da vez. Fiéis escravos e servos rezam diariamente no altar do Facebook, sacrificando seu tempo em forma de trabalho não remunerado.

Quando surge, como vimos no mês de setembro, um evento como o do Santander Cultural em Porto Alegre, que cedeu espaço à imbecilizadores profissionais que agem como promotores da ignorância, fica claro que a profissão está em alta.

Sempre bem remunerado, cheio de dinheiro ou de capital político, melhor do que muitos empresários e executivos, certamente melhor remunerado do que qualquer trabalhador, de qualquer dona de casa que entrega seu juízo à terceirização da inteligência que o imbecilizador profissional promove. Ele pensa por seus consumidores, produz as ideias que o imbecil irá reproduzir como um mantra, assim como um sacerdote reza por seus fiés.

Terceirizar a inteligência é como terceirizar a fé. Até filósofos entram nessa onda e passam a exercer essa nova profissão: afinal, a lei é a audiência e aparecer é o capital. A alma, esse assunto antigo que podemos chamar de subjetividade, foi emparedada no muro da imbecilização planetária.

(Texto originalmente publicado na Revista Cult)

Ser politizado ou alienado

Escrito por Emir Sader Publicado . Publicado em Artigos

Ser politizado é entender como funcionam as relações de poder em cada sociedade e no mundo em geral. É compreender que, por trás das relações de troca no mercado existem relações de exploração. Que, por trás das relações de voto, existem relações de dominação. Que, por trás das relações de informação, há um processo de alienação.

Ser politizado, no mundo de hoje, significa compreendê-lo no marco das relações capitalistas de acumulação e de exploração. Representa entender o mundo no marco da hegemonia imperial estadunidense, baseada na força militar e na propaganda do modo de vida estadunidense.

Ser politizado é compreender que tudo o que existe foi produzido historicamente, pelas relações entre os homens e o meio em que vivem. Ou melhor, entre os homens, intermediados pelo meio em que vivem. E que, portanto, tudo o que foi construído pelos homens pode ser desconstruído e reconstruído. Que tudo é histórico. Que a própria separação entre sujeito e objeto - que nos aparece como "dada" - é produzida e reproduzida cotidianamente mediante relações econômico-sociais alienadas.

Ser politizado é saber subordinar as contradições menores às estratégicas, saber que as contradições com o capitalismo são sempre também contra o imperialismo, pela fase histórica atual do capitalismo.

Já ser despolitizado é achar que as coisas são como são porque são como são, sempre foram assim e sempre serão. É considerar que as pessoas sempre buscam tirar vantagens e que não têm grandeza para lutar desinteressadamente por um mundo melhor. Que o que diferencia as pessoas é a ambição de melhorar na vida, que a grande maioria não tem jeito mesmo.

Entre o ser politizado e o despolitizado está a alienação, a falta de consciência da relação entre nós e o mundo. Alienar é entregar o que é nosso para outro - como diz a definição jurídica em relação a bens. Ser alienado é não perceber a presença do sujeito no objeto e vice-versa, sua vinculação indissolúvel.

A luta pela emancipação humana é uma luta contra toda forma de exploração, de dominação, de discriminação, mas, antes de tudo e, sobretudo, uma luta contra a alienação - condição de todas as outras lutas.

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Emir Sader é cientista político.


Estado Democrático de Direito: forma aperfeiçoada da dominação política do Capital

Escrito por Carla de Nazaré, Élio Ferreira e Nazaré Lima Publicado . Publicado em Artigos

 

 

 

 

 

O Ser Capital é muito inteligente, dinâmico e, principalmente, não é preconceituoso, aceita a diversidade.  Para atender suas necessidades na dominação política, produz as mais diversas formas de Estado, transita, sem nenhum constrangimento, entre a ditadura e a democracia.

Essas formas políticas são expressões da necessidade do Capital manter a sua taxa média de lucro, conforme esta entra em risco ele põe em marcha uma determinada forma. Mas, qualquer uma delas, é sempre dominação sobre a classe trabalhadora, a verdadeira produtora de toda riqueza, a única fonte do lucro.

A forma Democracia é a excelência da dominação política do Capital. Sob o manto desta, o Capital pratica os seus mais diversos massacres sanguinários contra os trabalhadores, mas aparece como ações necessárias para garantir o bem estar social, convencendo até mesmo os próprios trabalhadores, que acabam por aceitar a exploração extrema que lhe tira o direito à vida. Mas quando esse convencimento não funciona ele não vacila em botar o seu poder armado em marcha.

Uma revelação dessa ditadura disfarçada são as reformas Trabalhista, que traz em seu bojo a terceirização plena, e da Previdência, que retira os minguados direitos dos trabalhadores. Relembrando que esses direitos foram duramente conquistados, inclusive com a morte de muitos trabalhadores. E para garantir a efetivação dessas reformas, que são exigências para a manutenção da taxa de lucro do Capital, o poder armado veio às ruas combater brutalmente os protestos do dia 24 de maio no movimento “Ocupa Brasília”. Essa demonstração violenta revela o disfarce da ditadura democrática e põe abaixo o seu caráter ilusório de igualdade e liberdade.

A democracia é o governo que mais se adequa às relações de produção capitalista. Pois materializa na institucionalidade a ilusão ideológica de que o Estado representa o interesse de todos. E com isso, tira a luta de classes do palco real da vida e a leva para as instituições representativas (Ministério Público, Parlamento, Judiciário, etc.), dissimulando o caráter de classe do Estado e consolida assim, sua eficiência no controle social.

Com a palavra Lenin. “Para Marx, o Estado é um órgão de dominação de classe, um órgão de submissão de uma classe por outra; é a criação de uma ‘ordem’ que legalize e consolide essa submissão (...). Não há como conceber o Estado como um aparelho neutro e estático de mediação de conflitos ou de pura administração eficiente de recursos. Ele é, (...) um instrumento de dominação, que nasce na necessidade de criar mecanismos fortes de submissão das classes exploradas, para que sejam sempre exploradas (...) O Estado é a arma que desconsidera o número de corpos”.

 

Saneamento é vida

Escrito por Elder Muniz Publicado . Publicado em Artigos

A história registra momentos distintos que apontam o surgimento de ações de saneamento no Brasil. Há segmentos que acreditam que os indígenas, antes mesmo da invasão de estrangeiros no Brasil, foram precursores desse processo pelas práticas existentes em suas comunidades, seja pelo armazenamento de água, seja pelo manejo de resíduos originários de matéria orgânica. Há correntes que defendem que as primeiras obras de saneamento no Brasil surgiram por volta de 1561, com a ordem de Estácio de Sá para a escavação de um poço que levaria água à cidade do Rio de Janeiro. Independente do registro histórico que mais se aproxima desse marco, é certo que as políticas de saneamento surgem no Brasil no início do século XX e já nascem permeadas pelas fortes relações econômicas, tanto nacional como internacional.

Antes de ser um conjunto de ações, saneamento básico é um direito fundamental de todos os cidadãos. O saneamento é indispensável para o desenvolvimento social e econômico do Brasil, pois permite à população viver com mais qualidade de vida, sobretudo para a saúde infantil com a redução da mortalidade infantil. O Saneamento básico é essencial para melhorar a Educação, para preservar os recursos hídricos, para fomentar o turismo sustentável, para garantir a saúde do povo brasileiro.

A lei 11.445/07 estabelece as diretrizes nacionais de saneamento básico no Brasil. O saneamento é composto por serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo de águas pluviais. Dados do sistema nacional de informações sobre saneamento (SNIS) de 2015 apontam que 50,3% da população brasileira têm acesso à coleta de esgoto, porém 100 milhões de brasileiros não têm acesso a este serviço. No que se refere ao tratamento de esgoto, a região Norte é a que apresenta os piores índices, com apenas 16,42% de esgoto tratado. O Nordeste tem 32,11% de tratamento de esgoto. A região que apresenta a melhor situação é o Centro-Oeste, com 50,22% de esgoto tratado, porém a média desse serviço não atinge nem a metade da população. Em Sergipe a coleta de esgoto atende a 34,80% da população. Já o tratamento de esgoto em nosso estado alcança apenas 24,66% dos sergipanos, porém a rede de abastecimento de água nos traz números menos frustrantes, com 84,29% da população atendida. (Fonte: Organização Mundial da Saúde/UNICEF)

Até 2018 todos os municípios brasileiros devem ter seus planos municipais de saneamento elaborados, sob pena de não poderem receber recursos federais para investimentos na área de saneamento. O plano é um instrumento que auxilia os municípios na identificação problemas, no diagnóstico de demandas e aponta alternativas na execução da política de saneamento. O plano deve contemplar as populações urbanas e rurais, promovendo ações em todos os eixos que compõem saneamento básico. Enquanto muitos municípios não elegem o saneamento como uma política prioritária, outros já poderiam estar mais avançados nessa área, a exemplo dos municípios sergipanos que arrecadam royalties oriundos da exploração de petróleo. Pirambu, Japaratuba e Carmópolis, todos localizados no Leste sergipano, são exemplos de arrecadação, mas não têm nenhuma referência quanto ao investimento desses recursos em saneamento, visando promover a qualidade de vida de suas populações.

A partir de 2003, após a eleição do presidente Lula a política de saneamento no Brasil ganhou contornos mais democráticos, tanto na dimensão dos investimentos, como na qualificação dos gastos. O PAC Saneamento lançado em 2007 tinha a previsão orçamentária de R$ 40 bilhões para serem investidos. Entre 2007 e 2015 foram investidos 154,26 bilhões, com a conclusão de 1.058 obras que levaram água e esgoto a 50 milhões de brasileiros. No ano passado a Campanha da Fraternidade coordenada pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) teve o saneamento como um dos seus focos, evidenciado a necessidade de investimentos em políticas públicas que elevem a qualidade de vida do povo.

2016 também foi o ano em que a ONU editou uma resolução aprovada em sua Assembleia Geral em que reconhecia o saneamento básico como um direito humano, dada a importância desse direito na vida de milhões de pessoas no mundo. À época, a Organização das Nações Unidas alertava para o número alarmante de mais de 2,5 bilhões de pessoas no planeta que vivem sem acesso a banheiros e sistema de esgoto adequados. Embora seja comum ouvirmos que gestores públicos não priorizam o saneamento porque são obras pouco visíveis, as políticas de saneamento básico deveriam ser prioridade absoluta de todos os entes federados. Como já foi afirmado, o saneamento contribui com a urbanização das cidades, com a saúde pública, com a preservação das nossas riquezas naturais, com o desenvolvimento socioeconômico, contribui, antes de tudo, com a promoção da qualidade de vida.

 

Elder Muniz é cientista social e estudante de direito.

 

Os Desafios do Saneamento Básico

Escrito por Edson Aparecido da Silva Publicado . Publicado em Artigos

O Governo de Michel Temer continua sua escalada rumo à privatização dos serviços públicos e o ataque aos direitos dos trabalhadores(as), procura resgatar de todas as formas o projeto neoliberal já vivido nos anos 1990 pelo povo brasileiro.

É a teoria do Estado mínimo, porém, mínimo quando se trata de atender a população excluída de direitos e Estado máximo quando se trata de atender os grandes bancos e as grandes corporações nacionais e internacionais.

É isso que ocorre agora com a colocação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a serviço da privatização do saneamento básico financiando projetos de modelagem para Estados e Municípios que se interessarem, e os processos de privatização diretamente. Trata-se em síntese da disponibilização de dinheiro público para que o setor privado explore serviços públicos, como abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos.

Nesse caso, vale destacar que estamos tratando de serviços que guardam profunda relação com a saúde pública, com o meio ambiente e com a qualidade de vida das pessoas. O mais provável é que nesse processo as regiões mais carentes do País e os centros urbanos com grande concentração de assentamentos precários continuem a sofrer com a falta de saneamento já que a possiblidade de garantia de lucro nessas áreas praticamente inexistem em razão das condições em vivem essas populações e, portanto com dificuldades de arcar com altas tarifas.

O que temos observado em várias cidades pelo mundo é o processo inverso quando se trata de saneamento. Cidades como Paris, berço das empresas privadas do setor, no ano de 2010 reestatizou os serviços e como consequência houve redução de tarifas e aumento dos investimentos. Segundo reportagem da jornalista María Martín do Jornal El País de 15 de junho de 2015,... "em 15 anos, 235 cidades e cerca de 106 milhões de habitantes retomaram a gestão do tratamento e fornecimento de água das mãos de empresas privadas". Além de Paris, acrescente-se à lista cidades importantes como Berlim e Buenos Aires.

No Brasil, a Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), entidade sindical nacional que representa os trabalhadores (as) do saneamento, da energia e do meio ambiente e a Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental que reúne entidades do movimento sindical e popular, entidades técnicas e gestores municipais têm desenvolvido campanhas nacionais buscando unificar as ações e agindo localmente nas assembleias legislativas e câmaras municipais fazendo o enfretamento necessário para garantir que os serviços de saneamento se mantenham sob o controle e operação público.

O saneamento obteve grandes avanços no Brasil com as ações desenvolvidas desde o ano 2003 com a criação do Ministério das Cidades que deu “endereço” para o setor, com promulgação da Lei Nacional de Saneamento (11.445/2007), Lei de Consórcios Públicos (11.110/2005), a realização das Conferências Nacional das Cidades, a implantação do Conselho Nacional das Cidades e dos Comitês Técnicos no âmbito da Secretaria Nacional de Saneamento, a elaboração e aprovação do Plano Nacional de Saneamento (PLANSAB), o fortalecimento do Sistema Nacional de Informações (SNIS) e principalmente a retomada dos investimentos através do descontingenciamento de recursos e dos Programas de Aceleração do Crescimento (PAC 1 e 2). Claro que muito há por ser feito até que toda a população tenha acesso pleno ao abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos, drenagem urbana e coleta e destinação adequada dos resíduos sólidos, porém, a universalização do acesso aos serviços de saneamento básico só será possível com o fortalecimento do papel do Estado e não o contrário. O objetivo fim dos agentes privados é a garantia do lucro o pagamento de dividendos aos seus acionistas e o repasse para as sedes das empresas em seus países de origem quando são internacionais. Já há muito assistimos essa prática no setor de energia, por exemplo.

Defendemos que o acesso à água e ao esgotamento sanitário trata-se de direito humano fundamental conforme deliberação da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) e o Conselho de Direitos Humanos em 2010. Portanto são serviços que não devem ser tratados como mercadoria em que só terão acesso aqueles que puderem pagar.

Uma das formas de caminharmos rumo a decisão da ONU é apoiar iniciativas que fortaleçam o saneamento como direito, nesse sentido creio ser importante a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 2 de 2016 que propõe a alteração do art. 6º da Constituição Federal, para incluir, dentre os direitos sociais, o direito ao saneamento básico. Evidente que não conquistaremos a universalização do acesso apenas com modificações nas legislações, mas esses instrumentos devem compor nossas táticas de luta.

Também é necessário refletirmos os 10 anos de legislação de saneamento completados no último dia 05 de Janeiro. Afinal, quais os avanços o setor obteve concretamente, quais os entraves? Como se dá a sustentabilidade dos serviços pelos operadores públicos após os investimentos na ampliação dos serviços? A Lei conseguiu ser de fato implementada? Se não, por quê? E o controle social? Quais as dificuldades na sua efetivação, sobretudo no âmbito local? E o papel de planejamento dos municípios? Por que poucos planos municipais de saneamento foram elaborados, onde estão as dificuldades?

Por fim, é fundamental o fortalecimento da unidade de ação entre os movimentos populares, sociais e sindical na defesa do fortalecimento do papel do Estado e contra qualquer forma de privatização, seja ela o nome que tiver: OSs, PPPs, Concessão Plena ou Parcial, Subdelegação, abertura de capitais, etc.

Não podemos nos conformar com o fato de, em pleno século XXI as pessoas não terem acesso pleno a água, a coleta e ao tratamento de esgotos, a falta de coleta e destinação adequada do lixo, e a drenagem urbana adequada que evitem enchentes, alagamentos e as consequentes perdas de bens materiais e, sobretudo de vidas.

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Edson Aparecido da Silva é Sociólogo, Mestre em Planejamento e Gestão do Território pela UFABC e Assessor de Saneamento da FNU.